segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O trio perdido da homofobia

Por Miguel Rios

Parecem difíceis os tempos para ser hétero. Têm alguns reclamando. Têm alguns se dizendo encolhidos, amordaçados, assustados com a ditadura gay que se instala. Não encontram mais espaço. Né assim? Passeatas coloridas, parceria aprovada, casamento civil perto, luta por criminalizar ofensas, tantos não sei pra que isso se o mundo é tão compreensivo e simpatizante à causa, né?

Tão simpatizante e compreensivo que degringolou. A coisa se inverteu, dizem por aí. A prática de homem agarrar mulher está esgotada. Ultrapassada. Quase proibida. Né isso? A heterossexualidade está virando a nova veadagem. Indo para o armário. Duvida?

Prova 1. Se o casal hétero agora sai à rua, de mãos dadas, no abraço, acaba agredido, escuta logo o grito: “Vamos acabar com essa heteroagem. Tenham vergonha!” Né dessa forma?

Prova 2. Quando se desconfia que um cara curte mulheres, o seguem, e, na covardia, quebram lâmpadas na cara dele, o espancam com soco inglês. Não tem sido assim?

Prova 3. Se a garota dá um beijo no namorado em algum bar já os convidam a sair, que é para não expor os clientes a tamanha nojeira. Verdade ou mentira?

Com tantas provas cabíveis, é preciso coibir tais injustiças, né não? É necessário mais orgulho nessa heteroagem, prática desmerecida e perseguida, para assegurar o privilégio exclusivo de ser a única orientação normal e divina. De se manter paradigma.

Daí o ódio combativo. Ser homofóbico, dizem, é coisa natural. Como ser racista, como ser machista. Para se proteger, impedir a censura, garantir o livre pensar. Sustentar a primazia.

Imagine quando se assinou a Lei Áurea. Negros livres do peso do chicote. Como foi complicado e injusto para um racista viver sem açoitar, não é? Ver aquelas pessoas que tratava como propriedade, como bichos, como coisas, agora soltas, sem lhes dever obrigação.

E os movimentos de direitos humanos ganhando força, buscando igualdade cada vez mais. Lei contra o racismo aprovada. Nem poder mais humilhá-las, ofendê-las podia. Como foi duro para um racista, né mesmo?

A ditadura negra cresceu, dominou e agora os brancos amargam a inferioridade, os maus-tratos, agora escutam que se não cagam na entrada, com certeza na saída. Não bate uma pena do coitado do racista desamparado?

E o machista então, diante da mulher dona de si. Imagine o que é não aplicar mais um corretivo na companheira. Vê-la votar, trabalhar, estudar, virar doutora, se emancipar, se proteger, garantir que seu agressor seria punido, Lei Maria da Penha nele, se eleger presidenta. Árduo para o machista, humilhante, né mesmo?

E os sulistas e sudestinos se enfurecendo com os atuais investimentos no Nordeste. Cobertos de razão, né? E a elite com náusea da ascensão das classes C e D, que não conhecem mais o lugar delas. Está certa, não concorda?

Direitos iguais? Que ruim, né? Como se tira de alguém a supremacia racial, econômica, sexual? Como é que pode?

Como se não bastassem negros e mulheres com suas ferozes ditaduras, agora vêm os tais LGBTs, que na cabeça familiarmente correta, sacrossantamente fundamentalista, não passam de veados e sapatões, sem a menor diferença, tudo a mesma coisa, que se resume em safadeza, doença mental, invenção do diabo. Aonde vamos parar, né?

E o que sempre foi ódio passou também a medo. Medo que é falacioso, mas que contamina, se implanta, convence, ganha corpo, ares de real. Medo de que o mundo se torne gay. De que se o garoto ver dois barbados se beijando na novela vá beijar o colega na escola. De que a menina passe a acariciar mais e mais a melhor amiga, pois a pop star se pega com a dela. De que bebês parem de ser gerados e venha o extermínio.

Conclusão: a heterossexualidade é frágil, só uma máscara, não suporta concorrência. Requer esforço sobre-humano para segurá-la viva ou vai se acabar. As outras seriam as orientações dominantes. Sufocadas por milênios para que não cobrarem o seu lugar de homo superior. Hora da reviravolta. É esse o roteiro, meio X-Men?

Ignorância dos homofóbicos. Sabem de ouvir dizer. Sabem pela cartilha do senso comum. Sabem sem saber. Sabem é transformar arrogância em lamento, preconceito em pretenso direito. Não sabem é como pensar fora do quadrado. Só sabem é usar a arcaica técnica de confrontar rebelados: atacar com violência e desmerecimento.

Raciocinam assim: Para que aceitar os gays? Por que eles não ficam nos guetos onde sempre estiveram? Por que precisam se mostrar à luz do dia? Para que querem ser família? Ser iguais a nós? E o direito de insultá-los?

Às escondidas, até deixam existir. Amando longe dos olhos normais, se sentindo errados. Aguentando calados qualquer piadinha, qualquer indireta. Assim, garantem, não existe segregação. Assim, juram, não há homofobia. Basta os pervertidos se comportarem como devem, cabisbaixos. Digno, né não?

Por muito tempo funcionou e ainda funciona até. Teve quem, por covardia, submissão, falta de escolha, aprendesse direitinho a lição. Se tem que ser gay, que seja o mínimo possível, o menos pintoso. Se tem que ser lésbica, que seja bem feminina. Para não chocar, para transitar melhor, não fazer vergonha.

Foi tão forte adestramento, tamanho bombardeio, que tantos acabaram obedecendo, odiando os do mesmo barco, se dobrando, catando as migalhas atiradas pelo ódio.

Ódio que, à caça de vítimas, tem vários nomes, um deles homofobia. Que, astucioso, para se legitimar, se passa por liberdade de expressão, defesa de valores. Que, velho de guerra, apela ao apocalipse, à ira do céu. Mas que, denunciado e nas últimas, como barata emborcada, esperneia para sobreviver a cada trio que passa e o deixa para trás.

Leia aqui.

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